Aí um dia você toma um avião para Paris, a lazer ou a trabalho, em
um vôo da Air France, em que a comida e a bebida têm a obrigação
de oferecer a melhor experiência gastronômica de bordo do mundo, e
o avião mergulha para a morte no meio do Oceano Atlântico. Sem que
você perceba, ou possa fazer qualquer coisa a respeito, sua vida
acabou. Numa bola de fogo ou nos 4 000 metros de água congelante
abaixo de você naquele mar sem fim. Você que tinha acabado de
conseguir dormir na poltrona ou de colocar os fones de ouvido para
assistir ao primeiro filme da noite ou de saborear uma segunda
taça de vinho tinto com o cobertorzinho do avião sobre os joelhos.
Talvez você tenha tido tempo de ter a consciência do fim, de que
tudo terminava ali. Talvez você nem tenha tido a chance de se dar
conta disso. Fim.
Tudo que ia pela sua cabeça desaparece do mundo sem deixar
vestígios. Como se jamais tivesse existido. Seus planos de trocar
de emprego ou de expandir os negócios. Seu amor imenso pelos
filhos e sua tremenda incapacidade de expressar esse amor. Seu
medo da velhice, suas preocupações em relação à aposentadoria. Sua
insegurança em relação ao seu real talento, às chances de
sobrevivência de suas competências nesse mundo que troca de regras
a cada seis meses. Seu receio de que sua mulher, de cuja afeição
você depende mais do que imagina, um dia lhe deixe. Ou pior: que
permaneça com você infeliz, tendo deixado de amá-lo. Seus sonhos
de trocar de casa, sua torcida para que seu time faça uma boa
temporada. Suas noites de insônia, essa sinusite que você está
desenvolvendo, suas saudades do cigarro. Os planos de voltar à
academia, a grande contabilidade (nem sempre com saldo positivo)
dos amores e dos ódios que você angariou e destilou pela vida, as
dezenas de pequenos problemas cotidianos que você tinha anotado na
agenda para resolver assim que tivesse tempo. Bastou um segundo
para que tudo isso fosse desligado.
Para que todo esse universo pessoal que tantas vezes lhe pesou
toneladas tenha se apagado. Como uma lâmpada que acaba e não volta
a acender mais. Fim.
Então, aproveite bem o seu dia. Extraia dele todos os bons
sentimentos possíveis. Não deixe nada para depois. Diga o que tem
para dizer. Demonstre. Seja você mesmo. Não guarde lixo dentro de
casa. Não cultive amarguras e sofrimentos. Prefira o sorriso. Dê
risada de tudo, de si mesmo. Não adie alegrias nem contentamentos
nem sabores bons. Seja feliz. Hoje. Amanhã é uma ilusão. Ontem é
uma lembrança. No fundo, só existe o hoje...
"Adriano Silva"
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